Jejum: Uma Jornada Histórica, Espiritual e Científica

Comportamento

O jejum, aquela velha conhecida prática de ficar um tempo sem comer, vai muito além de simplesmente pular refeições. Presente em diferentes culturas e religiões ao longo da história, o jejum sempre foi visto como um ritual cheio de significados — seja para buscar equilíbrio espiritual, cuidar da saúde ou fortalecer laços sociais.

De tempos antigos até os dias de hoje, a prática atravessou gerações e ganhou novos olhares. Atualmente, o jejum voltou aos holofotes, desta vez com respaldo de pesquisas científicas que investigam seus efeitos no corpo e na mente. Mais do que uma moda passageira, o jejum se mostra uma escolha consciente para quem busca bem-estar físico e mental, sem perder de vista suas raízes históricas.

Neste artigo, você vai conhecer a trajetória do jejum, entender por que ele nunca saiu de cena e descobrir o que a ciência tem a dizer sobre seus benefícios e desafios.

Jejum: dos antigos rituais à busca pelo bem-estar

O jejum está entre as tradições mais antigas da humanidade. Não por acaso, quando os homens das cavernas não tinham o que caçar e comer, acabavam jejuando contra sua própria vontade. Esta condição, muito mais frequente do que imaginamos na era Paleolítica, moldou uma adaptação metabólica natural ao nosso corpo da qual podemos desfrutar de seus benefícios até hoje. Neste contexto, civilizações como egípcios, gregos e romanos já adotavam períodos sem comida em seus rituais, segundo registros históricos e achados arqueológicos. Hipócrates, o famoso médico da Grécia Antiga, era fã da prática e chegou a afirmar: “estar sem comer por um dia é bom para a saúde”.

Na Grécia Antiga, o jejum fazia parte dos Mistérios de Elêusis, celebrações religiosas dedicadas às deusas Deméter e Perséfone. Já no Egito, sacerdotes jejuavam antes de cerimônias importantes para purificar corpo e mente, acreditando que isso os preparava para se conectar com as divindades. Papiros médicos egípcios também citam o jejum como tratamento para várias doenças, mostrando que a ideia de seus benefícios já era reconhecida há milênios.

Na Índia, a tradição do jejum (chamada de upavasa) surgiu entre 3.000 e 5.000 a.C., sendo registrada em textos clássicos da Medicina Ayurvédica, como o Charaka Samhita e o Sushruta Samhita. Por lá, a prática evoluiu ao longo dos séculos, influenciada pelo Hinduísmo e Budismo, sempre ligada à saúde e ao autoconhecimento.

O Jejum nas Tradições Religiosas

O jejum tem um papel de destaque no Cristianismo, com raízes que remontam ao próprio exemplo de Jesus Cristo. Segundo os relatos bíblicos, Jesus jejuou durante 40 dias no deserto antes de iniciar sua missão pública. Esse período inspirou a Quaresma, época em que muitos cristãos adotam práticas de jejum ou abstinência como preparação para a Páscoa.

Nas tradições católica e ortodoxa, o jejum é observado em momentos litúrgicos específicos, funcionando como um gesto de penitência, busca por purificação espiritual e solidariedade com os mais necessitados. Para Santo Agostinho, o jejum era uma verdadeira “purificação da alma”, enquanto São Basílio o definia como “alimento para a alma”.

Entre os monges cristãos, especialmente os chamados Padres do Deserto, o jejum era visto como essencial para controlar as paixões e buscar a elevação espiritual. Assim, a prática atravessa séculos como símbolo de disciplina, fé e conexão com o sagrado.

O jejum, conhecido como sawm, é um dos cinco pilares do Islã e ganha destaque especial durante o mês sagrado do Ramadã. Nesse período, muçulmanos de todo o mundo deixam de comer, beber e manter relações sexuais do nascer ao pôr do sol. Mais do que uma restrição alimentar, o Ramadã é marcado por momentos de devoção, autocontrole e união entre a comunidade.

Além do Ramadã, o Profeta Muhammad também praticava jejuns voluntários em outros dias do ano, como às segundas e quintas-feiras, reforçando o valor espiritual do autocontrole.

O Alcorão enfatiza a importância do jejum: “Ó vós que credes! O jejum vos é prescrito, assim como foi prescrito àqueles antes de vós, para que alcanceis a piedade” (2:183). O trecho destaca que essa prática atravessa gerações e conecta diferentes tradições religiosas.

O jejum também faz parte da tradição budista, mas com uma pegada bem particular. Sidarta Gautama, o Buda, chegou a experimentar jejuns extremos durante sua jornada em busca da iluminação — relatos contam que ele quase chegou à inanição. No entanto, depois dessa experiência, Buda percebeu que o excesso não era o caminho e passou a defender o chamado “Caminho do Meio”, rejeitando tanto os extremos da privação quanto os do excesso.

Mesmo assim, o jejum moderado continua presente no dia a dia dos praticantes budistas, especialmente entre monges. Em muitas tradições, eles não consomem alimentos sólidos após o meio-dia, adotando uma espécie de jejum intermitente. A ideia é simples: promover clareza mental, disciplina e moderação, sem abrir mão do equilíbrio.

No Judaísmo, o jejum é levado a sério e está presente em alguns dos momentos mais importantes do calendário religioso. O destaque vai para o Yom Kippur, conhecido como o Dia da Expiação. Nesse período, judeus de todo o mundo passam cerca de 25 horas sem comer e beber, numa busca intensa por perdão e purificação espiritual.

Mas o Yom Kippur não é o único momento de jejum para os judeus. Outro dia marcante é o Tisha B’Av, que relembra a destruição dos antigos Templos de Jerusalém, trazendo um clima de reflexão e luto coletivo. Além desses, há jejuns menores, como o Ta’anit Esther, realizado antes da festa de Purim, mostrando que a prática do jejum faz parte da rotina espiritual e histórica do povo judeu.

No Hinduísmo, o jejum vai muito além de uma simples prática religiosa — ele faz parte do dia a dia de quem busca conexão espiritual e bem-estar. Os hindus costumam adotar o jejum em rituais devocionais, usando a abstinência como forma de purificação e disciplina.

Mas não para por aí. A medicina ayurvédica, tradição milenar da Índia, também abraçou o jejum como um dos seus pilares. Textos clássicos como o Ashtanga Hridaya detalham protocolos específicos de jejum para tratar diferentes desequilíbrios dos chamados doshas — os perfis energéticos que, segundo a Ayurveda, influenciam corpo e mente. Assim, jejuar, para os hindus, é uma forma de cuidar tanto do espírito quanto da saúde.

Em diferentes culturas indígenas ao redor do planeta, o jejum é muito mais do que ficar sem comer — ele é parte fundamental de rituais de passagem e cerimônias xamânicas. Entre os povos nativos da América do Norte, por exemplo, a famosa “busca de visão” (vision quest) envolve períodos de jejum em meio à natureza, com o objetivo de buscar orientação espiritual e fortalecer a conexão com o mundo dos espíritos.

Na Amazônia, a prática também é marcante. Por lá, o jejum costuma anteceder o uso de plantas medicinais em cerimônias tradicionais. O objetivo? Preparar corpo e mente para experiências profundas e transformadoras, abrindo caminho para o autoconhecimento e a cura.

Significados e Simbolismos do Jejum

Buda em Jejum contemplativo
Imagem: Buda em Jejum contemplativo

Purificação e Renovação

Em quase todas as culturas e religiões, o jejum vai muito além de ficar sem comer. Ele é visto como um verdadeiro ritual de purificação e renovação, promovendo uma limpeza que não se limita ao corpo físico — mas alcança também a mente e o espírito.

A ideia é simples: ao abrir mão dos alimentos por um período, a pessoa busca se libertar de antigos hábitos e padrões, como se estivesse “renascendo” para uma nova fase da vida. Esse simbolismo aparece com força em momentos de transição, como rituais de passagem e celebrações importantes.

Tradições como o Ramadã, no Islã, e a Quaresma, no Cristianismo, são exemplos marcantes. Ambas culminam em festas de renovação — o Eid al-Fitr e a Páscoa —, celebrando não só o fim do jejum, mas também um novo começo para quem participou desse processo de transformação.

O Jejum como Sacrifício e Disciplina

Presente em diversas tradições ao redor do mundo, o jejum carrega um forte elemento de sacrifício. Abrir mão da comida — algo tão essencial para a vida — é um gesto simbólico que demonstra devoção e compromisso com o lado espiritual. Essa escolha voluntária vai além da fé: é também um exercício de autodisciplina e fortalecimento da vontade, qualidades valorizadas em praticamente todas as culturas.

No judaísmo, por exemplo, o jejum de Yom Kippur representa o sacrifício pessoal necessário para buscar a expiação dos pecados. Já no Cristianismo, o período da Quaresma convida os fiéis a jejuar em referência ao sacrifício de Cristo, preparando o coração para vivenciar o mistério da Páscoa.

Assim, o jejum se revela não apenas como uma prática religiosa, mas como uma poderosa ferramenta de autoconhecimento e transformação interior.

Jejum como Caminho para Iluminação: Buda e Jesus

O jejum faz parte da trajetória de grandes mestres espirituais, como Buda e Jesus, cada um com seu próprio olhar sobre a prática. Apesar das diferenças, ambos usaram o jejum como ferramenta de transformação interior.

Antes de se tornar o Buda, Sidarta Gautama mergulhou em austeridades radicais, incluindo jejuns tão severos que quase custaram sua vida. No entanto, ele percebeu que o excesso de privação enfraquecia o corpo e dificultava a clareza mental necessária para alcançar a iluminação. Dessa vivência nasceu o famoso “Caminho do Meio”, uma filosofia que evita tanto os extremos da indulgência quanto da autonegação. Mesmo assim, o jejum moderado segue presente no budismo, especialmente entre monges que mantêm a tradição de não comer após o meio-dia.

Já Jesus, segundo os evangelhos, jejuou por 40 dias no deserto antes de iniciar sua missão pública. Durante esse período, enfrentou tentações e desafios que testaram sua força interior. O jejum de Jesus é visto como preparação espiritual e símbolo de resistência diante das dificuldades do mundo. Ele também deixou um recado importante sobre a prática: “Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas” (Mateus 6:16), destacando que o valor do jejum está na intenção sincera, e não na aparência.

Assim, tanto Buda quanto Jesus mostram que o jejum pode ser um caminho de autoconhecimento, equilíbrio e fortalecimento espiritual — desde que praticado com consciência e propósito.

Contrastes Culturais e Interpretações

No Ocidente, especialmente sob influência do cristianismo, jejuar costuma estar ligado à ideia de penitência e disciplina do corpo. Já no Oriente, tradições como o hinduísmo e o budismo enxergam o jejum como um caminho para alcançar clareza mental e crescimento espiritual.

Nos dias de hoje, o jejum está passando por uma transformação. Fora dos ambientes religiosos, cada vez mais pessoas adotam a prática buscando benefícios para a saúde física e mental. A moda do jejum intermitente, por exemplo, mostra como antigos costumes podem ser reinventados para atender às necessidades da vida moderna.

Assim, o jejum segue vivo e se adaptando, transitando entre o sagrado e o cotidiano, entre o autoconhecimento e o bem-estar.

–> Embasamento Científico do Jejum

Processos Fisiológicos Durante o Jejum

O corpo humano passa por transformações significativas durante períodos de jejum, ativando mecanismos evolutivos desenvolvidos para otimizar a sobrevivência em tempos de escassez alimentar.

Fases Metabólicas do Jejum
  1. Fase Pós-absortiva (0-6 horas): Após a digestão completa da última refeição, o corpo utiliza glicogênio hepático para manter os níveis de glicose sanguínea.
  2. Fase Gluconeogênica (6-24 horas): Com o esgotamento das reservas de glicogênio, o corpo inicia a gluconeogênese, produzindo glicose a partir de aminoácidos e glicerol.
  3. Fase Cetogênica (24-72 horas): O fígado começa a produzir corpos cetônicos a partir de ácidos graxos, fornecendo combustível alternativo para o cérebro e reduzindo a necessidade de proteólise muscular.
  4. Fase de Conservação Proteica (72+ horas): Em jejuns prolongados, o corpo adapta-se para minimizar a degradação proteica, aumentando a eficiência na utilização de corpos cetônicos e ácidos graxos.

Autofagia: O Processo de Reciclagem Celular

Quando ficamos um tempo sem comer, nosso corpo ativa um mecanismo surpreendente chamado autofagia. É como se as células fizessem uma faxina geral, reciclando tudo o que está velho ou fora do lugar. Esse processo ficou famoso depois que o cientista Yoshinori Ohsumi ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 2016 justamente por desvendar como ele funciona.

Na prática, a autofagia acontece quando pequenas “bolsas” dentro das células, chamadas autofagossomos, englobam organelas danificadas e proteínas com defeito. Depois, essas bolsas se unem aos lisossomos, que fazem o trabalho pesado de quebrar e reciclar esses materiais. O resultado? Um verdadeiro controle de qualidade celular, que pode ajudar a retardar o envelhecimento e prevenir doenças degenerativas.

Pesquisas mostram que esse processo fica ainda mais intenso depois de 16 a 24 horas de jejum. Ou seja, além de dar um tempo para o corpo, jejuar pode ser um jeito de estimular essa limpeza interna.

–> Evidências Científicas dos Benefícios do Jejum

Uma tendência tendência para quem busca qualidade de vida, o jejum intermitente também está chamando a atenção da ciência. Pesquisas recentes apontam que essa prática pode trazer benefícios importantes para quem convive com problemas metabólicos, como diabetes tipo 2 e síndrome metabólica.

Um estudo publicado na revista Cell Metabolism em 2019 revelou que o jejum intermitente pode melhorar a sensibilidade à insulina e reduzir a resistência insulínica — e o mais interessante: esses efeitos aparecem mesmo sem uma grande perda de peso.

Para quem tem diabetes tipo 2, os resultados são ainda mais animadores. O jejum intermitente tem mostrado potencial para diminuir a necessidade de medicamentos e, em alguns casos, até levar à remissão da doença. Uma pesquisa da Universidade de Toronto, por exemplo, indicou que alternar períodos de jejum e alimentação ajudou bastante no controle da glicemia dos pacientes diabéticos.

Uma das estratégias mais eficazes para quem busca perder peso, o jejum intermitente vem cada vez mais conquistando seu espaço. E não é só porque ajuda a cortar calorias: durante o período sem comer, o corpo passa a otimizar hormônios ligados ao metabolismo, como o hormônio do crescimento (GH), a norepinefrina e a adiponectina. Esses nomes complicados, na prática, significam que o organismo fica mais eficiente em queimar gordura.

Uma meta-análise publicada no International Journal of Obesity reuniu 40 estudos sobre o tema e trouxe boas notícias: o jejum intermitente não só reduz o peso corporal e a gordura visceral, como também apresenta resultados semelhantes aos das dietas tradicionais de restrição calórica. O diferencial? As pessoas tendem a seguir o jejum por mais tempo, tornando a estratégia mais sustentável no dia a dia.

Evidências preliminares sugerem que o jejum pode sensibilizar células cancerígenas à quimioterapia enquanto protege células normais, fenômeno conhecido como “proteção diferencial”. Estudos em modelos animais demonstraram que ciclos de jejum podem reduzir efeitos colaterais da quimioterapia e potencializar sua eficácia.

Pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia, liderados por Valter Longo, demonstraram que jejuns curtos (48-72 horas) antes da quimioterapia podem melhorar significativamente a tolerância ao tratamento e seus resultados. Contudo, é importante ressaltar que pacientes oncológicos devem consultar suas equipes médicas antes de implementar qualquer protocolo de jejum.

Pesquisas recentes têm mostrado que o jejum intermitente pode trazer benefícios surpreendentes para quem enfrenta o câncer. Evidências preliminares sugerem que períodos sem comer podem deixar as células cancerígenas mais sensíveis à quimioterapia, enquanto protegem as células saudáveis — um fenômeno chamado de “proteção diferencial”.

Em testes com animais, cientistas observaram que ciclos de jejum ajudam a reduzir os efeitos colaterais da quimioterapia e até aumentam a eficácia do tratamento. Um dos destaques nessa área é o trabalho da equipe da Universidade do Sul da Califórnia, liderada por Valter Longo. Eles descobriram que jejuns curtos, entre 48 e 72 horas antes da quimioterapia, podem melhorar bastante a tolerância dos pacientes ao tratamento e os resultados alcançados.

Apesar das descobertas animadoras, vale lembrar: quem está em tratamento oncológico deve sempre conversar com a equipe médica antes de tentar qualquer protocolo de jejum.

O jejum intermitente não está em alta só para quem busca perder peso: pesquisas recentes mostram que ele também pode trazer benefícios para o cérebro. Durante os períodos sem comer, o organismo aumenta a produção de uma proteína chamada BDNF, que ajuda na sobrevivência dos neurônios e estimula a formação de novas células cerebrais.

Testes realizados em animais indicam que o jejum intermitente pode reduzir o risco de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, além de favorecer a recuperação após lesões cerebrais. E não para por aí: estudos preliminares em humanos sugerem que o jejum pode melhorar a cognição e até o humor.

Apesar dos resultados promissores, especialistas reforçam que mais pesquisas são necessárias para entender todos os efeitos do jejum no cérebro humano.

–> A Redescoberta do Jejum na Contemporaneidade

Fatores para o Ressurgimento do Interesse

O renovado interesse pelo jejum na sociedade contemporânea pode ser atribuído a diversos fatores convergentes:

  • 1. Crise do Modelo Biomédico Convencional: A crescente insatisfação com abordagens puramente farmacológicas para doenças crônicas tem levado muitos a buscar intervenções baseadas em estilo de vida.
  • 2. Epidemia de Doenças Metabólicas: O aumento alarmante de obesidade, diabetes e síndrome metabólica tem estimulado a busca por estratégias efetivas de prevenção e tratamento.
  • 3. Avanços Científicos: Pesquisas recentes elucidando os mecanismos moleculares do jejum têm proporcionado legitimidade científica a esta prática ancestral.
  • 4. Busca por Simplicidade: Em uma era de excesso informacional e material, o jejum representa uma intervenção simples, acessível e potencialmente transformadora.
  • 5. Interesse em Práticas Ancestrais: O crescente reconhecimento da sabedoria contida em tradições antigas tem levado à reavaliação de práticas como o jejum sob perspectivas contemporâneas.

Jejum Intermitente:

O jejum intermitente tornou-se provavelmente a modalidade mais popular na atualidade, com diversos protocolos adaptados a diferentes necessidades e preferências:

  • a) Método 16/8: Concentra a alimentação em uma janela de 8 horas, com jejum nas 16 horas restantes. Por exemplo, alimentação entre 12h e 20h, com jejum das 20h às 12h do dia seguinte.
  • b) Dieta 5:2: Consiste em alimentação normal cinco dias por semana, com restrição calórica severa (500-600 calorias) nos outros dois dias, não consecutivos.
  • c) Jejum em Dias Alternados (ADF): Alterna dias de alimentação normal com dias de jejum completo ou restrição calórica significativa.
  • d) Método Eat-Stop-Eat: Inclui um ou dois jejuns de 24 horas por semana, geralmente do jantar de um dia ao jantar do dia seguinte.
  • e) Protocolo OMAD (One Meal A Day): Concentra toda a ingestão calórica diária em uma única refeição, geralmente com duração de uma hora.

Jejum Prolongado:

Jejuns de múltiplos dias (48 horas a várias semanas) são praticados geralmente com objetivos terapêuticos específicos ou como “reset” metabólico. Devido à sua intensidade, jejuns prolongados devem idealmente ser supervisionados por profissionais de saúde, especialmente para indivíduos com condições médicas preexistentes.

Dietas que Simulam Jejum (Fasting-Mimicking Diets):

Desenvolvidas pelo pesquisador Valter Longo, estas dietas proporcionam nutrição mínima (geralmente 800-1100 calorias/dia com composição específica) que mantém o corpo em estado metabólico similar ao jejum completo, porém com menor desconforto e maior segurança para jejuns prolongados.

Dry Fasting (Jejum Seco):

O jejum seco, que consiste em ficar sem comer e sem beber, é praticado em algumas tradições religiosas, como o Ramadã. Apesar de teorias sugerirem que a ausência total de água aumentaria o estresse celular e aceleraria processos de reparo, como a autofagia, especialistas alertam para os riscos elevados, como desidratação e desequilíbrios eletrolíticos. Outra hipótese é que o corpo queimaria mais gordura para gerar água metabólica, mas, até agora, faltam estudos clínicos de qualidade que comprovem benefícios do jejum seco em relação ao jejum com hidratação. A maior parte das pesquisas sobre jejum e saúde foi feita com jejum hídrico ou intermitente, e os cientistas recomendam cautela ao adotar práticas extremas sem orientação profissional.

Integração do Jejum em Práticas Contemporâneas de Saúde

O jejum tem sido progressivamente incorporado em abordagens integradas de saúde, frequentemente combinado com outras intervenções:

  • Medicina Funcional: Profissionais de medicina funcional frequentemente recomendam protocolos de jejum como parte de programas abrangentes para tratamento de condições inflamatórias e autoimunes.
  • Retiros de Bem-estar: Centros de bem-estar ao redor do mundo oferecem programas supervisionados de jejum, combinados com práticas como meditação, yoga e terapias complementares.
  • Medicina Preventiva: O jejum intermitente tem sido incorporado em protocolos de medicina preventiva, visando otimizar biomarcadores metabólicos e reduzir riscos de doenças crônicas.
  • Nutrição Personalizada: Profissionais de nutrição têm incorporado protocolos de jejum personalizados, adaptados às necessidades metabólicas, objetivos e preferências individuais.

–> Reflexões Psico-sociais e Conexões Transcendentais

Resgate de Sabedorias Ancestrais

A volta do jejum à pauta de discussões mostra como práticas ancestrais estão sendo revisitadas sob a ótica da ciência atual. Mais do que uma simples nostalgia, esse movimento revela o valor das tradições que atravessaram gerações e guardam uma sabedoria construída ao longo dos séculos.

Costumes antigos, como o jejum, muitas vezes já carregavam intuições sobre o funcionamento do corpo que só agora começam a ser confirmadas por estudos científicos. Essa aproximação entre saberes tradicionais e pesquisas modernas reforça a importância de unir o melhor dos dois mundos: respeitar o conhecimento ancestral e, ao mesmo tempo, acompanhar as descobertas da ciência.

Jejum e Desenvolvimento Neuropsíquico

Não é só o corpo que sente os efeitos do jejum. Muita gente relata uma mente mais clara durante o período sem comer, e a ciência tem uma pista do porquê: o jejum estimula a produção de BDNF, uma proteína que ajuda a proteger e renovar os neurônios, além de melhorar a comunicação entre eles.

No lado psicológico, o jejum funciona como um verdadeiro treino de autocontrole e consciência. Encarar o desconforto inicial e perceber que é possível ir além da fome pode fortalecer a resiliência emocional e mudar a forma como lidamos com nossos próprios impulsos. Para muitos, é uma jornada de autodescoberta e fortalecimento interno.

O “Self” como Protagonista

Adotar o jejum é assumir as rédeas da própria saúde, em vez de esperar soluções prontas de fora. Quem pratica não só cuida do corpo, mas também se coloca como protagonista do próprio bem-estar.

Mais do que uma decisão individual, o jejum faz parte de uma tradição compartilhada por diferentes povos ao longo da história. Ao jejuar, a pessoa se conecta a uma rede de experiências que atravessa culturas, épocas e lugares. Essa mistura de vivência pessoal com uma herança coletiva é o que torna o jejum uma prática tão especial e transformadora.

O Jejum e a Psicologia: Autoconhecimento, Jung e Freud

Embora Sigmund Freud, pai da psicanálise, não tenha se dedicado diretamente ao jejum, ele explorou como o corpo e o inconsciente se relacionam. Para Freud, o ato de comer vai além da simples necessidade biológica: envolve desejos reprimidos e serve como uma ferramenta de controle do ego.

Já Carl Gustav Jung via o jejum sob outra ótica. Para ele, a prática era uma forma de buscar autoconhecimento e integrar aspectos profundos da mente. Jung acreditava que rituais de privação, como o jejum, ajudam a ampliar a consciência sobre si mesmo e facilitam estados mentais em que a pessoa pode ir além dos padrões sociais, encontrando o “sagrado” e seus próprios símbolos internos.

“O jejum pode ser vivido como rito de passagem para a maturidade psicológica, criando a oportunidade única de resignificar o próprio papel diante do legado familiar, dos ancestrais e da comunidade”, escreveu Jung em “Símbolos da Transformação” (1952).

Muitos que praticam o jejum relatam uma clareza mental inédita, emoções mais profundas e até insights inesperados. Segundo a Psicologia Analítica de Jung, esse processo favorece a integração da chamada “sombra”, trazendo à luz conteúdos inconscientes ao superar tanto a fome física quanto os condicionamentos mentais.

Jejum como Prática de Presença e Consciência

No ritmo acelerado da sociedade atual, marcada por consumo sem parar e estímulos de todos os lados, o jejum surge como um verdadeiro respiro. Ao abrir mão temporariamente da comida, muita gente encontra um espaço raro para refletir, desacelerar e estar mais presente no momento.

Quem adota essa prática costuma perceber mudanças que vão além do prato. O jejum acaba trazendo à tona reflexões sobre hábitos, relações, valores e até prioridades de vida. Muitos relatam que, ao jejuar, surgem insights inesperados sobre áreas que nem parecem ter ligação com a alimentação.

Essa expansão da consciência é explicada, em parte, pela energia e atenção que normalmente seriam gastas com a digestão. Livre desse processo, o corpo e a mente ganham espaço para novas percepções e descobertas.

Tradição ancestral encontra a ciência moderna

O jejum está ganhando cada vez mais espaço como uma ponte entre o antigo e o novo. De um lado, carrega a sabedoria de práticas milenares presentes em diversas culturas. Do outro, chama a atenção da ciência atual, que investiga seus benefícios para a saúde física, mental e até espiritual.

A prática, que atravessa séculos e fronteiras, parece responder a necessidades humanas profundas. Hoje, o jejum é visto como uma ferramenta promissora para lidar com problemas de saúde pública, como obesidade, diabetes e doenças neurodegenerativas. Além disso, oferece a chance de resgatar tradições ancestrais e desenvolver habilidades como autodisciplina, presença e consciência.

No entanto, como toda prática poderosa, o jejum exige cuidado e informação. Nem todo protocolo funciona para todo mundo, e algumas condições de saúde podem contraindicar certos tipos de jejum. Por isso, a orientação de um profissional é fundamental, especialmente para jejuns prolongados ou para quem já tem alguma condição médica.

Ao trazer o jejum para o dia a dia, cada pessoa se conecta a uma tradição que atravessa gerações e culturas, ao mesmo tempo em que se aproxima das descobertas mais recentes sobre longevidade e saúde metabólica.

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